domingo, 4 de outubro de 2009

A calçada, o fim de tarde

A calçada, o fim de tarde, a conversa, a amizade Tudo se mistura, tudo se refaz O território sagrado da gelada que alivia, que abastece, que esquece... que a alma agradece! Perseguindo a alegria, atravesso os meus dias Trabalho, me arrisco, mas não perco a fantasia Tem dias que me arrasto, em outros me atropelo Na ternura dos seus olhos... eu me recupero! A Calçada - júnior Silva -




Pra Morrer



Para não morrer quando chegar aos trinta e cinco
Precisei matar aos trinta e dois



- Júnior Silva -





Ilustração: Angústia - Júnior Silva, 2006

“Agora você vê as coisas claramente.
Vê todas essas vidas emprestadas...
Vozes emprestadas.
Milli Vanilli por toda parte.
Você olha para as coisas que não pode comprar.
Agora você nem quer comprar.
As coisas que ainda estarão aqui depois que você se for.
Quando você morrer.
Aí, você se dá conta de que todas as coisas nas vitrines brilhantes...
Todos os modelos dos catálogos...
Todas as cores, as ofertas especiais...
As ‘receitas’ da televisão
Aquele monte de comida gosdurosa...
Tudo está lá para nos afastar da morte.
E não funciona.”

Trecho do filme “Minha Vida Sem Mim”, de Isabel Coixet

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Sorriso Atrás dos Arcos
Este vídeo animação foi produzida por mim em homenagem a duas coisas que conheci quase que ao mesmo tempo: os Arcos da Lapa e Paulinho da Viola. A música de Paulinho veio para mim junto com o Samba, junto com a saída do limbo estético. Na verdade, fui salvo por ambos, quase que ao mesmo tempo, e continuo sendo re-esgatado a cada segundo pela música de Paulinho da Viola e pela fantasia que o Samba ajuda a produzir na alma.
Na Lapa, encontrei a vontade de me perder em tantas perversões, tantos personagens, tantas ilusões que duram até a última porta que se fecha as 5 da manhã... ou as 6... ou as 7...! Assim que cheguei, cada arco emergeu como um sorriso aberto, como se estivesse esperando ser atavesssado pelos desejos que chegam em busca de tudo, de álcool, de sexo, de conversa, de atenção, de carinho e amor, de companhia ou solidão para exorcisar os fantasmasmas... mas, no final das contas, todas as buscas se resumem em uma só... a de se sentir fazendo parte de alguma coisa.




O Pacto Pelo Blues - Por Júnior Silva
Tirando o Ralph Macchio (Karate Kid, A Hora da Verdade), que provavelmente protagonizou o filme por ter sido o "rostinho bonito" do momento, "Encruzilhada" (Crossroads, EUA, 1986) é uma obra prima dos road movies sobre blues. A trilha sonora é fantástica, digna de ser garimpada a todo custo na internet e nos sebos da vida. E eu nem mencionei a história ainda, original e precisa...!


Após ter participado da gravação de um lendário albúm de blues nas décadas de 30 e 40, um velho blues man é encontrado em uma casa de repouso para idosos por um estudante (Macchio) de música apaixonado por blues. O garoto pede que o velho lhe ensine a "tringésima música", supostamente deixada de fora do já citado lendário álbum que teve apenas 29 canções gravadas. De maneira inusitada um acordo é feito, e os dois saem em uma viagem em busca desta gravação. Destaques para o pacto que o velho blues man faz com o próprio diabo para participar da gravação e ter fama, e para a cena em que ninguém menos que Esteve Vai participa de um duelo de guitarra com o personagem de Macchio.


Com trilha sonora dirigida e executada por Ry Cooder, "Encruzilhada" propõe um mergulho nas raizes do blues, conduzido através de uma reflexão sobre companheirismo, amor pela arte e o desejo de entender melhor a origem de nossas paixões!

sábado, 26 de setembro de 2009

A Cura de Aranaldo Baptista - Por Júnior Silva

O Mutante é um ser que é diferente daquilo que se apresenta como normal, como ordinário, daquilo que é aceito passivamente como necessário, ideal e melhor. Mas Mutante também é único, criação singular que cria outras singularidades para dialogar com as pluralidades. Mutante é incompreendido por que a compreensão não á para qualquer um, é para quem não está doente dos olhos, é para quem respira devagar sentindo cada metro cúbico do mubndo a sua volta, e não deixa passar despercebida a percepção de que, em um homem incompreendido, a loucura é a cura necessária.





No Olho do Discurso - Por Júnior Silva

“Antes mundo era pequeno porque Terra era grandeHoje mundo é muito grande porque Terra é pequena”
“Parabolicamará” - Gilberto Gil

Foi lançado neste semestre de 2009 e já está participando do circuito de festivais o documentário “No Olho da Rua”, de Luiz Eduardo Neves, um importante documento áudio visual sobre os rumos do movimento hip-hop no Espírito Santo. O vídeo promove um debate relevante sobre os caminhos que o movimento rap vem tomando nos últimos anos no Espírito Santo, colocando em foco dois discursos antagônicos e que questionam de quem é o rap, se é da periferia, do mercado, dos precursores dele no Estado ou daqueles que tentam interagir o movimento com novas linguagens musicais. Questiona de quem é o movimento para no final mostrar que ele não é de ninguém, que não pode ser apropriado por nenhum discurso porque é um discurso aberto, assim como é a natureza da cultura popular que se origina do diálogo, da interação entre linguagens que se fundem em um amalgama que torna a identidade brasileira rica pela sua pluralidade.

O documentário inicia-se expondo estes dois discursos que estão representados por Renegrado Jorge, que vem de uma escola defensora de um purismo no rap e que foi um dos precursores da inserção do movimento em espaços midiáticos, e por J3, raper que vem se destacando nos últimos anos na cena capixaba cantando um rap que dialoga com várias influências. Em comum, os dois têm as suas imagens vinculadas quase que simbioticamente ao rap no Estado, fazendo com que ambos tenham força para promover a ascensão do movimento até mesmo para fora do Espírito Santo. E em certo ponto fazem isso. Renegrado tem importante participação na promoção de eventos de rap e apresenta um programa do gênero que já está há 10 anos no ar, um feito importante para um seguimento que não tem um conteúdo esteticamente inclinado ao apelo comercial. J3 é idealizador de um projeto que leva elementos do hip-hop para escolas públicas do Estado e tem músicas suas em jogos de vídeo-game que percorrem o mundo. No entanto, os pontos em comum entre os dois para por aí.

Renegrado apresenta um discurso complicado e contraditório. Defende uma postura puritana, dizendo que o rap não deve “se misturar” com outros ritmos para manter a sua essência, para manter um discurso de periferia, mas não deixa bem claro que discurso é esse. O rap é uma manifestação da cultura popular, e a cultura popular se caracteriza por sempre estar se apropriando espontaneamente do que é novo e transfigurando essa novidade a partir das matrizes de suas tradições. Foi assim que aconteceu com o samba, um dos exemplos mais notórios de uma cultua popular e que incorporou elementos da musicalidade do jazz sem perder a relevância de outras influências como a presença rítmica afro. A mistura não é o que empobrece, mas sim o que agrega valor a cultura na medida em que a interação com novas informações abre possibilidades para uma maior criatividade e para a produção de novos discursos, tornando a cultura um diálogo polifônico e não um monólogo unívoco.
Outro personagem do documentário, J3, apresenta em seu trabalho uma postura inversa, que apresenta inconscientemente (ou não), uma declaração dessa postura no nome do seu primeiro álbum, Freestyle. Estilo assume o não aprisionamento em um discurso único, tanto na forma quanto no conteúdo, pois J3 interage arranjos orgânicos com a linguagem do sample, sempre transitando por gêneros como o samba, o rock e o reggae. Inclusive, isso não é uma novidade. O RUM DMC, uma das maiores referências do rap mundial foram pioneiros na mistura do rap com o rock ao gravar "Walk This Way", do Aerosmith junto com o próprio Steve Tyler, e bem próximo de nós temos o Rappin’Hood, que gravou junto com Jair Rodriguês “Disparada”, um clássico da MPB.

Este estilo do trabalho de J3, assim como Inversão Brasileira e Los Zombres e outros que despontam no espírito santo, faz deles representantes do seu tempo, pois não são grupos que vivem na década de 30, onde havia apenas o rádio como fonte de informação. Eles representam uma geração de artista do acesso às novas tecnologias e que transformam este acesso e em criatividade.

O documentário de Luiz Eduardo Neves não estimula uma polêmica, apenas faz vir a tona um debate necessário dentro de um movimento que há muito já deixou de ser incipiente no Espírito Santo, mas que encontra-se fragmentado, e por isso mesmo mal articulado, vítima de um diálogo de mudos. O vídeo também não tem apenas dois personagens, ele também traz outras figuras importantes no cenário do rap capixaba, mas no que diz respeito a confrontação dos dois discursos apresentados acima ele é virtuoso por conseguir promover um bom debate sem uma edição tendenciosa e estimular o espectador a pensar sobre o que é o rap no Espírito Santo e para onde ele pode ir daqui para frente, ao contrário de algumas posturas que monopolizam os espaços de divulgação do rap sem promover ou participar do debate.