quarta-feira, 3 de março de 2010


O Conhecimento Pode Matar

Por *Júnior Silva

O conhecimento pode matar. Embora essa seja uma afirmação forte, existe outra que também traz um desconforto: tentar levar conhecimento aos outros pode levar a morte. A história é testemunha disso através de vários personagens que tentaram realizar a socialização do conhecimento.

O que existe em comum entre Jesus Cristo, Sócrates e Che Guevara? E o que essa pergunta tem haver com o tema deste texto? A resposta é bem objetiva e responde as duas perguntas ao mesmo tempo: todos os três morreram por causa do conhecimento, ou melhor, por querer socializar o conhecimento.

Primeiro foi Sócrates, defendendo a ideia de que o conhecimento é uma produção da humanidade, e que não é possível produzir um conhecimento próprio sem o diálogo com o conhecimento de outro. Por isso foi perseguido e morto pelos poderosos e conservadores da cidade de Atenas, que queriam monopolizar o conhecimento para a manutenção de seus privilégios.

Depois veio Jesus Cristo, que não levou apenas pão para quem tinha fome e devolveu a visão ao cego, mas ele alimentou o espírito das pessoas com informação, e o cego que não enxergava viu que o que o imobilizava era a ignorância diante da tirania e autoritarismo dos poderosos. O resultado disso é a história mais antiga da humanidade: ele foi crucificado ao lado de criminosos, e suas palavras foram transformadas em mera autoajuda semanal repetida nos cultos e celebrações religiosas.

Por último, Che Guevara, que além de liderar o povo cubano na luta contra um governo desumano e explorador percebeu que era necessária outra arma para manter uma revolução: o conhecimento e a informação do povo. Por isso ajudou Fiedel Castro, de quem foi companheiro na Revolução Cubana, a realizar um grande mutirão de alfabetização no país. Eles estabeleceram que cada pessoa alfabetizada iria se tornar responsável pela alfabetização de três ou quatro pessoas. Conseguiram acabar com o analfabetismo no país em quatro anos, o que faz Cuba ser hoje um dos países com maior índice de desenvolvimento intelectual do povo e referência em educação no mundo. No entanto, ao sair de Cuba para expandir esta revolução encontrou a morte na Bolívia nas mãos de soldados norte-americanos, pois o exemplo de Cuba era incômodo para os EUA, que não queriam uma América Latina capaz de se libertar do seu domínio cultural e ideológico. Che Guevara acabou sepultado nas camisas de skatistas que nem sabem direito quem foi ele.

Foi pensando nesses exemplos e em outros muitos que poderiam ser citados aqui é que me veio a frase que dá título a este artigo: O conhecimento pode matar. Em tempos de internet banda larga, oráculo Google e youtube parece não fazer sentido que alguém pudesse ser considerado perigoso por levar algo que hoje está acessível a qualquer um que tenha um computador comprado nas Casas Bahia e uma conexão das mais fuleiras oferecida por uma operadora telefônica. Não é uma novidade que este acesso fácil ao mundo virtual não significa um conhecimento consistente e profundo. Desde o início da internet já se discute isso. No entanto, quase não vejo ser discutido se existe alguém utilizando a internet de maneira coerente, produtiva e revolucionária. E pasmem: a vida inteligente na internet não existe apenas fora do Orkut e do MSN. Ela existe também no Orkut e no MSN. Cada vez mais existe um número maior de pessoas que se expressam e se articulam artística e politicamente pelo youtube, MSN, Orkut, twitter, etc. São pessoas se apropriando das novas tecnologias para dar vazão as suas percepções, angústias, intuições, insatisfações e, principalmente, seus sonhos. Não é difícil de achá-los, mas é preciso querer olhar para além do globo.com, do paparazzo, da colheita feliz, dos resumos do big brother no youtube, dos PowerPoints de autoajuda e scraps com estrelas brilhando em volta de ursinhos coloridos. Ou colocamos um pouco de curiosidade em nossos espíritos de navegadores virtuais, ou continuaremos com uma internet de alta velocidade que não nos leva a lugar nenhum.

*Júnior Silva é filósofo, e nunca foi morto por causa do conhecimento